Cocô de Cachorro

Queria cocô de cachorro
Muito cocô de cachorro
Que alguém tropeçasse e quebrasse a alça da havaiana
Queria que o David Bowie morresse todo dia
Eu gosto de cocô de cachorro
Queria que o William Bonner morresse todo dia
Queria que o Faustão morresse todo dia
Queria que meu pai fosse um jogador de futebol e comprasse muitos cachorro que fizessem muito cocô de cachorro todo dia.
Queria aquela camiseta escarrada de sangue pra pendurar na porta do meu quarto e dai quem sabe iriam concordar que eu preciso mesmo de eletrochoque. Todo dia.
Queria que o John Lennon morresse todo dia.
Queria que todos vissem tanta TV quanto eu. Todo dia.
De natal vou pedir que o Fernando Haddad e o Geraldo Alckmin se casem e tenham um filho que se forme em economia e volte pra casa um dia e cometa um fatricídio duplo e depois exploda o prédio da FIESP. Todo dia.
Queria que a Rússia comemorasse o fim da URSS. Todo Dia.
Cocô de cachorro ainda não é mercadoria. Todo dia.
Queria que todas as emissoras de rádio anunciassem o fim de qualquer sentido em qualquer forma estética enquanto um engajamento político revolucionário capaz de engendrar pelo choque algum tipo de mudança no dito “status quo” pra ver se esse pessoal ai arranjava um emprego. Todo dia.
Queria um emprego
Que envolvesse cocô de cachorro. Todo dia.
Queria dar minhas pálpebras pra alguém que precisasse porque não estou usando. Todo dia.
Queria que meus ossos não saltassem sob minha pele e criassem essa impressão esquisita de que eu sou só um saco de pele cheio de ossos. Todo dia.
Queria que cocô de cachorro rimasse com amor porque dai ia ter muitos poemas pra escrever todo dia.
Queria que “tudo-é-terrivelmente –chato-até dizer-isso-e-até-chorar-e-até-não-chorar” fosse uma palavra só. E que rimasse com cocô de cachorro. Todo dia.
Queria morder a orelha de algum animal de pequeno porte, ou tipo um bebê, bem de leve pra ver se me ajudava a dormir. E descobrir que nem ajuda. Todo dia.
Queria que minha vó fosse do tipo que faz umas meias no natal pra dar pros netos e dai ela se confundisse e me desse três meias porque seria meio esquisito. Todo dia.
Queria que ele parasse de sussurrar no meu ouvido todas as noites marcas de manteiga enquanto estou dormindo. Todo dia.
Queria ter um programa de TV onde iria entrevistar todos os presidentes da América do Sul mas estaria todo o momento com o dedo no nariz. O nome do programa? Cocô de cachorro. Todo dia.
Queria que absolutamente todo mundo passasse um mês inteiro falando só onomatopeias esdrúxulas e não fosse trabalhar. Todo dia.
Queria que o David Bowie quisesse que eu morresse todo dia.
We could be heroes just for one day todo dia.
Queria que o Faustão morresse mesmo.
Queria receber algum prêmio e não só esses olhares esquisitos quando eu saio na rua. Todo dia.
Algumas músicas ficam na cabeça outras na sola do sapato. Como cocô de cachorro. Todo dia.
Queria que “como você é uma pessoa bonita” rimasse com cocô de cachorro pra eu poder acabar esse soneto que estou escrevendo faz uns cinco anos. Todo dia.
Queria que a música parasse.
Todo dia.